URUGUAI É PRIMEIRO PAÍS DO MUNDO A LEGALIZAR MACONHA
Após
12 horas de debate, o projeto foi aprovado por 16 dos 29 votos
O
Senado uruguaio aprovou nesta terça-feira (10) a lei inédita que regula a
produção e a venda de maconha no país, uma experiência que o governo fará para
tentar combater o narcotráfico. A iniciativa foi apresentada há um ano e meio
pelo governo do presidente José Mujica junto a uma série de medidas para frear
o aumento da criminalidade e desencorajar a violência associada ao
narcotráfico.
"Este
é um experimento", admitiu Mujica em agosto passado, em entrevista à AFP.
"Podemos fazer uma verdadeira contribuição à humanidade", disse.
A lei
concede ao governo o controle e a regulamentação da importação, cultivo,
colheita, distribuição e comercialização da maconha e de seus derivados. Depois
de se registrar, os residentes maiores de 18 anos poderão cultivar até seis
plantas, ter acesso à droga em clubes de usuários ou comprar até 40 gramas por
mês nas farmácias.
A
experiência se soma à legalização recente do aborto e do casamento gay e mantém
o Uruguai em uma posição de liderança no reconhecimento de direitos. A lei
sobre a maconha desperta resistência entre os 3,3 milhões de uruguaios. Uma
pesquisa feita em setembro apontou que 61% são contrários a ela.
A
legalização da maconha causou espanto nos vizinhos Brasil e Argentina, e despertou
dúvidas sobre seu real efeito se for aplicada em países que sofrem com o
narcotráfico, como Colômbia e México.
"Não
há muita criminalidade em torno do tema no Uruguai, então a mudança não é
profunda. É basicamente um experimento, mas não é um experimento que possa ser
replicado com facilidade" em países de tamanho maior, declarou à AFP
Steven Dudley, codiretor do site Insightcrime, especializado em narcotráfico na
América Latina.
O
Uruguai enquadra a iniciativa na postura da Comissão Global de Política de
Drogas - integrada pelos ex-presidentes da Colômbia César Gaviria e do México
Ernesto Zedillo, entre outros - que sustenta que a guerra contra as drogas
fracassou.
Mujica,
um ex-guerrilheiro de 78 anos, calcula que o país gasta 80 milhões de dólares
anuais para combater o narcotráfico e manter os presos por crimes vinculados à
droga.
No
Uruguai, consumir drogas não era penalizado, apenas comercializá-las. O consumo
de maconha é o mais estendido entre as drogas ilegais e duplicou nos últimos 10
anos. Segundo as autoridades, há 128.000 consumidores de maconha, embora as
associações de consumidores calculem que este número alcance os 200.000.
Melhor
preço e qualidade
O
governo planeja atrair os consumidores com uma maconha mais barata e de melhor
qualidade que a comprada hoje no mercado ilegal. "Vamos levar em conta os
preços no mercado negro até começarmos a desestruturar o funcionamento deste
mercado", declarou à AFP Julio Calzada, secretário-geral da Junta Nacional
de Drogas.
Mas a
nova lei divide os médicos uruguaios, que afirmam, por um lado, que diminuirá o
consumo de drogas mais perigosas enquanto, por outro, que banaliza os efeitos
nocivos da maconha. "A mensagem que você enviará a toda a população é que
é uma droga, mas é menos pior que outras drogas e, portanto, passível de ser
consumida", afirmou à AFP o psiquiatra Pablo Trelles, que trabalha com
jovens viciados.
Já os
legisladores da oposição advertem que a lei corre o risco de provocar um
aumento do consumo. Os consumidores também não são unânimes. Alguns não veem
com bons olhos o registro para ter acesso à droga. Calzada admite que o maior
risco é que "possa disparar o consumo se não realizarmos bem os
controles".
Os
olhos do mundo no Uruguai
Os
especialistas também têm opiniões diferentes. "O Uruguai pode impulsionar
o discurso internacional, científico e político sobre como desenvolver um
controle de drogas mais razoável e mais afetivo", declarou à AFP
Hanz-Joerg Albrecht, diretor do instituto Max Planck para o direito penal.
Albrechta
acredita que os maiores riscos são de aumento do consumo e de que ocorram
problemas de saúde na população, mas advertiu que é difícil determinar a
causa-efeito deste tipo de casos.
Já
Arjan Roskam, dono da holandesa Green House, o maior banco de sementes de
maconha do mundo, adverte que se a regulação ocorrer "de uma forma muito
socialista não funcionará". Roskam, um dos especialistas consultados pelo
governo uruguaio, comentou à AFP que se tudo depender do Estado e se não for
permitida a venda a turistas "seguirá havendo comércio na rua, o que não
soluciona o problema" do mercado negro.
Enquanto
o governo espera ter pronta a regulamentação da lei em abril de 2014 e o mundo
observa, novas lojas especializadas em produtos para o cultivo de maconha ou um
banco de sementes local que oferece grãos à espera da legalização mostram que a
cultura da maconha é cada vez mais propagada.
Fonte: Jornal do Comércio
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