Banabuiú. O último fio d'água
A estiagem bebe as últimas águas
do açude Banabuiú. O volume do reservatório seca dia a dia, desde 2010.
Pescadores colocam canoas à venda, muitos vão se despedindo
Há
três modos significativos de se medir a situação hídrica do açude Banabuiú, o
terceiro maior reservatório de água do Ceará, localizado no município
homônimo (a 214,3 quilômetros de Fortaleza).
No
monitoramento do Portal Hidrológico do Ceará (www.hidro.ce.gov.br), elaborado
pela Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), o açude
está com 1,11% do volume total (registro da última sexta-feira, dia 3, data de
fechamento desta matéria).
Noutra
medição, o percentual significa 20 minutos de caminhada (pelo menos), açude
adentro, até reencontrar a água. É incrível, no sentido do espanto, cruzar com
o gado catando pasto onde era profundidade. O mato cresce onde havia peixe.
E
um terceiro modo de se mensurar a situação atual do Banabuiú é conversar com as
pessoas que tinham o açude como companhia, como parte da casa e da vida: a seca
do reservatório tem a dimensão da tristeza de quem vê o açude agonizar.
O
pescador Antônio Gomes da Silva, 45, pai de dois filhos, atravessa a
desesperança para insistir outra vez. Vem do lado de lá do açude, do povoado de
Curral do Meio, antes mesmo do sol. Volta com quase nada: “Aqui, tem dia que
não pega (peixe) nem pra comer. Nem de tarrafa, nem de linha. Só tem água no
caixão (meio) do rio”.
O
máximo que Antônio consegue pescar, neste quinto ano de estiagem, “é pescada
pequena. É nascendo e pescando, não dá tempo esperar crescer porque, se não,
nós morre de fome”. No ofício desde os 11 anos de idade, brincando e aprendendo
com as águas, “dá uma tristeza ver o açude assim”, expressa. “Quando tava
cheio, encostava nesse pé de cajarana”, ele aponta o quintal de uma das casas
de taipa, no alto do povoado do Boqueirão (o primeiro de pescadores locais),
que margeavam o antigo Banabuiú.
A
construção da barragem Arrojado Lisboa (nome de batismo oficial) se deu entre
1952 e 1966, guardam os arquivos do Departamento Nacional de Obras contra as
Secas (Dnocs: www.dnocs.gov.br). O açude bebe do rio Banabuiú e, traça o Dnocs,
dá suporte à irrigação das terras do Baixo Jaguaribe, à piscicultura e ao
aproveitamento das áreas em redor. Em maio de 2009, aconteceu o último
sangramento. Uma festa para os olhos.
Com
capacidade - segundo o Dnocs - para 1,7 bilhão de metros cúbicos de água
(imagine um mundo dentro dele, como concebe o povo), o Banabuiú fez, do nada,
paisagem e alimento para quem tinha fome de beleza e de dignidade.
Café
e gentileza
Curimatã,
tilápia, branquinho e o tanto mais de peixe que coubesse na canoa era uma
espécie de ouro garimpado das águas do açude Banabuiú. Fazia a fartura e a alegria
daquele povo de alma simples e apegado ao lugar. “Minha vida sempre foi
pescar”, une Genival Maia Barreiros, presidente da Colônia de Pescadores Z-14.
Dos
59 anos, 40 foram debaixo do sol, morando, de tempos em tempos, “no beiço
d´água” e comendo “peixe e farinha”. Genival até estudou “um pouco”, fez o
segundo grau, tirou carteira de motorista, dirigiu ônibus e se tornou fotógrafo
em São Paulo. Mas a vida grande foi junto do Banabuiú. “A gente se apega com
aquilo, se acomoda e a vida passa. O que prende mesmo a gente é o gostar”,
emenda, velando o açude.
O
sol já esquentava a prosa, iniciada às 5 da manhã, quando Genival se desculpa
pela falta de um cafezinho, uma tapioca, uma gentileza tão própria dos sertões:
“Ninguém oferece nada porque ninguém tem”.
Do O POVO Online
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